Um dia a máquina começa a dar sinais de cansaço
É isso mesmo meus amigos, um dia a máquina começa a falhar!
Um dia você já não é mais aquele cara elogiado que dava conta de quatro atribuições de uma só vez.
Vai dar sinais de cansaço que nunca achamos que chegará a nós mesmos, mas que chega na surdina.
Sem aviso algum e muitas vezes sem percebermos.
Chega, puxa uma cadeira e acende um cigarro deixando claro que dali não sairá mais.
E daí um dia se questionará:
Se a vida é tão curta porque diabos a desperdiço aqui?
Seus dedos já não digitarão tão bem como antes.
Isso sem mencionar a velocidade que já não será a mesma, fora as dores que vão e vêm seguindo seu nível de stress e que se enganando vai adiar ao máximo a ida ao médico.
Em várias situações se verá parado em frente ao computador, com as mãos em posição de ataque esperando algum clique de sua memória para se lembrar da próxima atribuição.
Já em outros, com o mesmo posicionamento estático apenas para ganhar alguns segundos parado, se questionará se foi esse o futuro que você projetou anos atrás.
E a resposta, meus amigos, invariavelmente é NÃO.
Frustrante, não?
Há também aquele momento em frente à máquina do cafezinho.
Que perceberá que não consegue nenhuma fagulha de raciocínio lógico sem engolir ao menos um copo a cada hora.
E se não o tem experimentará a tão chamada crise de abstinência.
Ah! E café este que os próprios funcionários o compram porque nem isso mais a empresa oferece.
Naquela altura do dia que diz “fodeu!” e não tem coragem de pedir ajuda.
Isso porque podem achar que a partir dali você seja descartável, mesmo que no fundo saiba que é descartável e queira se enganar fingindo o contrário.
E por um momento se cobrará demais por achar obrigação sua dar conta do volume de trabalho de três “colaboradores (???)”.
Sabe de uma coisa?
Você nunca deu conta.
Ainda tem aquela corrida desenfreada que beira o patético.
Entre os colegas para mostrar o quanto ainda é útil mesmo não produzindo mais o mesmo.
Algo tipo a cena da dobradiça na A Lista de Schindler, saca?
Aquela circunstância em que teu chefe te pergunta “Por que você errou?” e nos seus raciocínios mais profundos você responde aos berros:
“Por que você privilegia alguns que nada fazem o dia inteiro para que outros trabalhem sobrecarregados!”.
Sabe aquele instante em que o garoto de 20 anos que foi contratado para trabalhar no seu setor te atropela na velocidade e nas capacidades recém aprendidas na faculdade?
E muitas destas habilidades você mal conhece porque estava tão sufocado de trabalho que não teve tempo de aprender.
Aquele mesmo guri que não tem metade do seu conhecimento e experiência, mas o dobro da sua disposição.
Isso porque finalmente percebeu que de nada adianta correr contra o tempo se este mesmo tempo já está contra você.
Sabe aquele momento em que você sente apenas vontade de ir embora?
De sair pela porta da frente andando, sem olhar para trás e desaparecer?
Ou, em um desespero maior, sair correndo para nunca mais voltar?
Ou quando se tranca no banheiro para que ninguém o veja chorando?
Este talvez seja uma espécie de escapismo que só aparece quando não vemos mais saída alguma.
Tem também aquele dia que se você lembra dos seus sonhos, anseios e vontades.
E esse dia é o pior porque te acerta no orgulho com uma bigorna.
E que te enganaram dizendo que bastaria estudar sua vida inteira para ter um bom e seguro emprego.
E você acreditou.
Mesmo fazendo aquilo que não ama, mesmo porque naquela época você pouco sabia sobre você mesmo e seus gostos.
E agora sua baia recheada com post its, não lembra em nada o futuro glorioso que você abriu mão de tentar pela sua suposta segurança e estabilidade.
Ou mesmo quando se vê obrigado a aturar nuances de humor seja dos clientes ou de seu chefe.
Mas o seu humor, esse nunca pode se ver abalado.
O que você tem? Está estressado por quê?
E quando seu corpo dá sinais de cansaço?
Aquela dor nas costas, nas mãos, na cabeça, na alma e na consciência?
Aquela frustração que dói só de pensar nela, mas que engole junto ao arroz integral da sua dieta durante o almoço de quinze minutos.
Engole assim como suas obrigações financeiras que te ancoram naquela cadeira e que te fazem seguir bovinamente para a hora do abate.
Ou do descarte. Dá no mesmo.
Quando se perceber tomando tantos remédios quanto sua mãe.
Ou mesmo sua avó.
E a maior parte deles começou a tomar quando se sentiu infeliz.
E quando foi a última vez que se viu feliz?
Em determinado momento chama a sua atenção justamente por não ser mais quem era.
Daí se sente velho e incapaz, mesmo que se esforce para disfarçar e não importa se porta uma caneta ou uma pá.
O sorriso sem graça e quase anêmico esconde a humilhação de ver suas fraquezas expostas assim como seu RG em um outdoor.
Afinal estamos em tempos em que ter experiência não agrega em nada e em muitas vezes é até dispensável.
Bom mesmo é aquele que sabe lidar com prazos!
Aquele que vive sob a chibata de metas, datas, participação nos lucros, desânimo em grupo e a cultura do medo.
Aquele que repete, em inglês, todos os termos da moda que aprendeu para que fosse dada alguma real importância ao seu trabalho.
Tudo isso sorrindo como se estivesse apresentando o Oscar ou algum programa de auditório aos domingos.
Mas seja grato, eles dizem!
Seja grato, porra!
Agradeça por ter uma carteira assinada.
Mesmo que se sinta sem proteção e buscando promoção como um coelho corre atrás de uma cenoura.
Mesmo que saiba que hoje não tem tantos direitos assim e que em determinado momento será muito novo para se aposentar e muito velho para concorrer em pé de igualdade com qualquer jovem.
Lá no fundo o que resta é o conforto de saber que quem te cobra um dia será cobrado.
Pelo mesmo motivo e da mesma maneira, afinal o tempo é o mesmo para todos e a lei do retorno é rigorosa e implacável.
Saiba de antemão que um dia a sua máquina também vai dar sinais de cansaço.
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