A diferença entre ser pedra e vidraça
A linda menina quer voar, mas guarda suas asas de cera no armário por medo de derretê-las ao Sol ou talvez por não saber muito bem manuseá-las.
Ela acha que sabe o que quer e se aborrece quando alguém discorda ou a percebe perdida.
Nunca sequer cogitou usar uma bússola.
Não diz nada por não querer mais enfrentamentos e discussões, mas não tem ideia de como escolher o que de fato deseja dentre tantas interessantes opções.
Isso tendo em vista que a vida atual também é uma destas opções.
Se conformar e aceitar, para ela, também é uma opção.
Está na idade que julga ainda ser “boa”, pois enxerga que ainda não viveu o suficiente e tem curiosidade pelo novo como um adolescente prestes a dar seu primeiro beijo ou a primeira foda.
Tem marido (que chama de ex) e filho, uma casa, certa estabilidade financeira, mas lhe falta algo que nem ela mesma sabe ao certo do que se trata ou mesmo se vai achar em outra praia.
O que ela reconhece internamente é o receio de dar o grande pulo.
Medo de não ser mais pedra e passar a ser vidraça.
Do seu jardim não quer sair e nem cogita criar outro com novas sementes de plantas coloridas, terra nova e limpa.
Se apega ao empoeirado cacto de sempre.
Quer o outro, mas sente ciúmes pelo antigo e mais uma vez não sabe para qual lado este cabo de guerra a levará.
Esconde o que pensa até de si mesma, onde imagina ser a única insatisfeita com o mundo e com vontade de viver a vida na sua plenitude.
Se sente deslocada por se sentir só quando muitos dizem que ela tem tudo ao seu dispor e não é grata pelo que acha que tem.
Deseja uma revolução, uma mudança por completo, dar um reboot quando na verdade não percebe que este mesmo recomeço deveria começar dentro de si mesma.
Sente medo de magoar quando não consegue enxergar que se mutila toda vez que diz sim.
Magoa-se para não magoar.
Justo não?
Sente medo de si mesma quando consegue soltar as amarras.
Transpira, geme, urra e até pensa nela mesma em uns poucos momentos de prazer.
Apega-se ao que não quer, abre mão de tentar e mais uma vez aparecem a pedra e a vidraça em seus pensamentos.
Se angustia e deixa claro sua dúvida como em um outdoor luminoso em sua testa:
“Eu não estou pronta”.
Eu já vi este filme e decidi me levantar da cadeira antes dos créditos finais.
Texto originalmente escrito em 2013.
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Ótimo texto, Fábio! Sobre o medo de dar o passo adiante e cair. Maravilhosas referências e reflexões.
Já protagonizei tantas vezes nessa peça.
É uma escrita envolvente e que gerou muita identificação.
Obrigado, Fabio!